
Imagine um mundo onde humanos infelizes recebem uma “transferência” para um reino cheio de magia, monstros e missões épicas. Para alguns, significa recomeço — a oportunidade de finalmente encontrar o destino que buscavam. Mas e se isso acontecesse justamente no momento em que os planos seguiam na direção contrária: morrer ao invés de viver? É nesse choque entre tragédia e fantasia que o anime Isekai Shikkaku 「異世界失格」 apresenta seu universo tragicômico, transformando clichês do gênero com um toque sombrio incomum.
A obra adapta o mangá de Hiroshi Noda e Takahiro Wakamatsu em 12 episódios animados pelo estúdio Atelier Pontdarc. Com uma narrativa que brinca com os tropes clássicos do isekai enquanto constrói personagens emocionalmente complexos, o anime de 2024 surpreende ao entregar certa profundidade onde se esperaria apenas sátira. Embarca comigo?
Ficha técnica de Isekai Shikkaku
Anime: Isekai Shikkaku (No Longer Allowed In Another World)
Gênero: Aventura, Comédia e Fantasia
Número de Episódios: 12
Estreia: 9 de julho de 2024
Estúdio: Atelier Pontdarc (Food Court de, Mata Ashita)
Adaptação: mangá de Noda Hiroshi (história) e Wakamatsu Takahiro (arte)
À beira de cumprir seu “grande objetivo” — morrer junto de sua amada Sacchan — Sensei é atropelado por um caminhão longe de ser comum. Afinal, é o caminhão da seleção para o outro mundo. Ao despertar quase sem HP apenas para ver seus planos arruinados, ele descobre que recebeu a “nobre missão” de derrotar o Rei Demônio. Ele, claro, nega. Seu único propósito agora é encontrar Sacchan e retomar o pacto interrompido.
Pelo caminho, ele “acidentalmente” salva Tama, uma guerreira felina, e reencontra Annette, a sacerdotisa que o invocou. Juntos, eles cruzam um mundo onde a verdadeira corrupção vem dos próprios humanos, os transferidos — pessoas como ele, mas que se deixaram levar pelos novos poderes. E cabe ao Sensei dar um basta nisso.
Review de Isekai Shikkaku
Ao contrário da maioria dos isekais, Isekai Shikkaku não foca em sistemas de RPG, nem em power fantasy, nem em haréns (apesar do Sensei sair conquistando corações, mesmo que involuntariamente). Aqui, o protagonista não quer salvar o mundo — ele quer morrer. E essa premissa bizarra se transforma na maior força do anime.
Com seu humor mórbido e percepção aguçadíssima, Sensei é um dos personagens mais interessantes entre os “heróis” de obras do gênero. Ele enxerga o pior e o melhor das pessoas com um olhar de quem já sofreu demais e, por isso mesmo, compreende profundamente a dor alheia. Seu poder, Storyteller, permite que ele escreva o destino de quem se envolve com ele. Em cada episódio, isso se manifesta de uma forma diferente — sem força bruta, apenas palavras. É uma mecânica simples, mas criativa e emocionalmente potente.
Apesar do tema sensível, o primeiro episódio já deixa claro qual será o tom. Sensei chega ao novo mundo tomando um punhado de comprimidos, como se fossem snacks. Quando é salvo de uma situação de vida ou morte, já solta uma frase icônica: “você está fazendo algo desnecessário”. A partir daí, o tom tragicômico está lançado.
⚠️ >> Alerta de spoiler!
O mais engraçado é que o HP do Sensei aumenta quando sua vida é ameaçada. O que é bom para nós, é péssimo para ele — que só quer descansar em paz. E ainda tem o detalhe do veneno que sempre salva sua pele no final. E o caminhão? A justificativa mais utilizada por isekais para explicar a reencarnação, aqui é apresentada como um serviço de transferência de mundo. E pode aparecer de qualquer lugar, no meio de uma floresta, na beira de um rio. xD
O poder de contar histórias e tocar corações
Entre as anotações que passam pelas páginas do livro do Sensei, a do episódio 6 é uma das mais brutais. De um lado, mostra o pior do poder humano quando usado para o mal. Do outro, a vida de alguém que se anulou para cumprir o papel de outra pessoa, deixando para trás seus desejos e sua verdadeira força.
As mãos do Sensei também registram a ganância dos aldeões, uma vez abençoados pela Árvore do Mundo. Sua sensibilidade para ver além do que todos enxergavam — a linha tênue entre ser herói ou vilão — tornam o episódio 8 um dos mais memoráveis. E claro que não falta o toque da comédia, com os comprimidos infinitos para acalmar o coração do Sensei.
O episódio 11 é um dos mais bonitos e emocionantes da temporada. Apresenta a história de duas irmãs invocadas para o mundo de fantasia, ao mesmo tempo em que se aprofunda um pouco mais na existência dos Sete Anjos Caídos — inspirados nos sete pecados capitais.
Impressões finais de Isekai Shikkaku

No início, fiquei preocupada com a sensibilidade do tema, mas o que mais se destaca é a percepção do Sensei sobre o que acontece ao seu redor. Ele é um escritor por natureza e ser observador é essencial para quem trabalha nessa área. Apesar da sua aparência depressiva, ele sempre traz uma lição no final de cada história que escreve, com reflexões sobre poder, trauma, propósito e redenção.
Se deixarmos o tema sensível de lado e considerarmos que é um anime de fantasia, a história também traz muitos momentos engraçados, incluindo o caminhão sempre apontado como o culpado pelas reencarnações e as lições personificadas em cada personagem — como a elfa Anette, que perdeu o propósito no trabalho até conhecer o Sensei, ou a gata Tama que acaba desistindo de si mesma para substituir o irmão e agradar o pai.
Por falar no grupo — formado pelo Sensei, Tama (aka Matilda), Annette e Nir — a dinâmica aqui funciona como uma família, diferente da maior parte dos isekais. Não tem harém, apesar do Sensei mexer com alguns corações pelo caminho por suas palavras sábias. É uma relação quase que de professor-aluno. E tem também o Melos, um bichinho estranhamente fofo.
Natureza paródica como ponto forte
As críticas sutis (ou nem tanto) ao próprio gênero são um destaque à parte. E o humor ácido não entra em cena sozinho, é acompanhado por doses de empatia. Mesmo sem o desejo de viver, Sensei consegue se conectar com outros personagens que encontra pelo caminho por causa disso. O tema, apesar de delicado, serve como elo de ligação. Enquanto a maioria dos protagonistas saem em busca de glória, ele só quer encontrar seu amor, com quem foi transportado para outro mundo, e continuar de onde parou em seu mundo anterior.
⚠️ >> Alerta de spoiler!
Isekai Shikkaku termina com o Sensei dizendo “Vamos continuar a jornada” após recuperar sua motivação e sua cama improvisada em forma de caixão — turbinada pelos anões. Mais de um ano desde a estreia, seguimos sem segunda temporada. *-*
Isekai Shikkaku começou parecendo “só mais um isekai bizarro”, mas entregou uma história inusitada, divertida e surpreendentemente sensível. Seu tom tragicamente cômico e seus personagens elevam a obra acima da média do gênero. O anime entrega uma das melhores combinações de paródia, fantasia e tragédia ao trazer um novo olhar para o isekai, mesmo que de uma forma um pouco sombria. Se você quer algo diferente — e marcante — merece um lugar na sua lista.
Esse formato de paródia me lembra de Romantic Killer, que também faz uma paródia aos clichês de otome games. ˆ-ˆv